sábado, 28 de fevereiro de 2009

MINHAS VIDAS (OU INSONIA)

Você se sente sozinho em noites quentes? Ouve roncos muito semelhantes à grunhidos, de suas irmãs no quarto contíguo? Tenta ler páginas de um livro surrado pelo tempo, na luz fraca que a televisão fornece? Sente o suor descer pela nuca até as costas e não faz nada para impedir? Fica pensando sobre o seu dia e seu passado? Erros e acertos? Ambições? Eu sim.
Não sei se posso chamar de viver duas vidas ou algo do gênero, sei que de dia sou um e a noite outro.
Estou no ápice da felicidade. Sou um garoto rodeado de amigos legais, terminando a escola e praticando atividades importantes para meu desenvolvimento. Vivo romances, paixões, loucuras e mais, mais, mais.
De repente me pego sentado na sala à noite sem ninguém pra conversar, aí aquela felicidade toda vai embora e estou só, não há ombro amigo. Não posso considerar a internet meu refúgio pois nela ninguém é como é, não os reconheço. Ouço apenas sons de ventilador, áudio baixo da televisão para não acordar ninguém, insetos rodando lá fora, gatos miando. As vezes me pego esperando o telefone tocar mas ninguém vai ligar. Como posso esperar por algo que nunca aconteceu e nem sei como é? Simples, é algo que eu sei que me faria muito feliz se acontecesse.
Hora ou outra me levanto para tomar um copo de água. Experimente abrir uma torneira e sentir a água fria num verão muito quente, refrescando sua pele, adoro essa sensação mas tenho que tomar cuidado, qualquer barulho alto de mais acordará minhas irmãs. Vivo isso todas as noites.
Onde estão as pessoas? Dormindo, é claro. Me perguntou por que somente eu insisto em ficar acordado. A noite é tão chata! Essa vida é tão chata!
Eu preciso dormir por que acordo cedo e começarei a viver aquela vida mais excitante, não importa pois o sono não vem. Chega o momento que mais gosto e até me distraio, ver o relógio marcando as 00:00 hs. Que lindo essa sequência de números, é como se não existisse tempo.
Dizem que sempre há o lado bom e o ruim das coisas e é claro que já pensei bastante sobre isso pra encontrar o tão sonhado lado das minhas noites. Encontrei um; posso explorar muito mais meus pensamentos. Fico horas e horas imaginando com resenha coisas que faço por desejo, carinho ou tesão. Isso é bom pois me dá prazer, no entanto dura pouco.
Eu sou um ser humano que quer estar o tempo todo ao lado de pessoas que amo. Se isso não acontece me sinto abandonado e isso ocorre todas as noites. Cada um tem sua vida e suas preocupações, não dá para ficar o tempo todo ao meu lado, não quero aceitar isso.
Não há nada a ser feito, pelo menos por enquanto. Enquanto devo fazer silencio para não acordar minhas irmãs, enquanto devo ler no escuro para a claridade não acordar minas irmãs, enquanto sinto o suor descer pelo meu corpo e não faço nada pra não causar barulho e acordar minhas irmãs.
Espero poder em breve, sentir a água fria da torneira por mais tempo senão vou ficando louco e não quero ser um louco.


Informação: no dicionário a palavra louco significa: que perdeu a razão...

Fanuel Ferreira

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

IMAGEM E TEXTO

Olhei para uma imagem e decidi criar um texto não sabendo onde irei chegar, meu desejo é apenas expressar.

Há um mundo paralelo que eu vejo e vivo. E não é sonho, tudo realidade. Eu vejo um lugar escuro com uma claridade sem igual. Um lago raso refletindo o seu entorno, muito mato coberto de neve, árvores e pinheiros dando mais grandeza ao cenário e um céu com muitas nuvens movimentadas, aquelas que parecem correntes de vento.
Se não conseguiu visualizar em pensamento esse cenário não se importe pois nunca conseguirá. É algo pertencente aos meus desejos e escolhas e é neste lugar que posso me esconder sem jamais ser encontrado.
Eu criei o meu mundo quando simplesmente olhei para a imagem no computador. Sabe aquelas coisas que te chamam a atenção? Sabe aquilo que toma conta da sua imaginação? Sabe algo que te faz pensar em um milhão de coisas? Sabe os momentos que te faz construir algo pra vida toda? Sabe situações que te transformam? Sabe quando você se consome? A partir do momento que entrei para meu novo mundo eu me vi muito mais constituído de força.
Criar é fácil, criar algo muito bom é difícil. Eu sinto que criei algo muito bom. Primeiro por ser secreto, segundo por ser bonito de mais, terceiro por ser único, quarto por ser rico, quinto por ser diferente, sexto por ser escuro, sétimo por ser forte, oitavo por ser grande, nono por ter vida e décimo por chegar ao décimo. Sei que você também tem criações muito boas mas não quero nem tentar descobrir quais são.
Fico imaginando se toda sensação é única, se mais alguém é capaz de enxergar como eu enxergo ou chorar como eu choro. Uma imagem diz tanto pra você como diz pra mim? Claro que sim mas nunca dirá as mesmas palavras e de forma alguma as mesmas idéias.
Hoje descobri que sou amante da boa observação, de olhar um imagem e ouvir tudo o que ela quer me dizer. O mais engraçado nisso tudo é que eu manipulo as informações, todas as coisas que aprendo com uma imagem é aquilo que quero aprender.
É muito bom sentir-se dono de um lugar e saber que ali você pode colocar tudo o que lhe interessa. Mas também temos com o que nos preocupar. Há uns dias atrás vi uma imagem bastante realista, ela me dizia com clareza que tudo o que criamos pode nos dominar. Eu ainda não sei de que forma pois deve haver várias. Aí fico pensando no mundo que acaba de existir, meu mundo. Como ele pode me dominar? Olhei de novo para o lago e senti medo, era escuro de mais e eu nunca tinha ao menos molhado meus pés naquela água...
A todo momento vou estar observando qualquer tipo de desenho, escritas, rabiscos, fotos, tudo o que são imagens. Já sinto medo, é um novo universo. Tudo o que é novo nos apresenta muitas surpresas, tanto boas como ruins.
Na parede ao meu lado, exibindo uma fotografia antiga, vejo meu rosto com quatro anos de idade, à minha costa está o calendário do ano, do outro lado a janela e na frente o computador! Quando clico na outra aba aparece aquele mundo novo. O meu mundo. A minha imagem. Imagem.

Li várias vezes este texto e senti vontade de lhes apresentar a imagem que tanto citei. Meu desejo é apenas que tentem imaginar o que vejo.

Fanuel Ferreira

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

CONTATO MOLHADO

Chuva, vento, frio e força, uma combinação perfeita para uma grande tempestade. Deitado num banco da única praça da cidade o garoto de doze anos gemia de medo e fraqueza, seu corpo já quase não suportava tanta dor e sofrimento. A chuva quase o impedia de respirar, o vento surrava sua pele, o frio o fazia tremer dos pés a cabeça e a força de tudo isso era demasiado grande para aquela estrutura física raquítica. E ele continuava a gemer, cada vez mais.
Toda tempestade forte passa rápido mas é claro que para o garoto estava demorando séculos. Um século consiste de cem anos, cem anos consiste de aproximadamente trinta e seis mil e quinhentos dias, e todos esses dias consistem de mais de oitocentos e setenta e seis mil horas. Sim, é muito tempo.
No entanto o século chegava ao fim e agora já via-se o som da enxurrada entrando pelas bocas de lobo. Ainda chovia, muito pouco.
O som de um portão chamou a atenção e o fez levantar-se num pulo do banco para ver quem estava saindo na chuva. Um outro garoto, aparentemente da mesma idade que a sua, saia com um guarda-chuva grande ocultando seu rosto. Ele atravessou correndo o asfalto até chegar bem perto do banco onde o outro aguardava em pé. Dois corações acelerados, o guarda-chuva foi jogado para o lado e estabeleceu-se um contato visual entre os garotos.
Os olhos tem um poder impressionante de diálogo, é tão forte que dizem coisas que existem em nós e pouco conhecemos. Os dois garotos por algum motivo existente nos corações mais sensíveis e inteligentes, tremiam emocionados. Não precisaram saber o nome um do outro para de repente começarem a correr juntos pela chuva, subirem nas árvores, caírem, tirarem a camisa e gritar. Cansaram e deitaram-se no chão, ainda chovia bem leve e ficaram ali sentindo os pingos de água no rosto, a sensação era única...

Uma tempestade como aquela não se via há muito tempo na cidade, com seus doze anos o garoto presenciara pouco daquilo na vida. O ruído do vento era forte mas tornava o ambiente da casa mais aconchegante e ele curtia o ventinho gelado.
Da janela do seu quarto ele notou o morador de rua deitado num banco de concreto na praça defronte a sua casa aparentando ter a mesma idade que a sua, doze anos. Era tão sozinho no mundo e parecia tão triste. Por que alguém deve sofrer tanto na vida? Se isto era uma pergunta ingênua então as vezes é bom de mais ser um ingênuo por que surgem ações muito bem elaboradas e importantes na vida.
Ele teria agido antes se a tempestade não fosse tão forte e sua mãe o privasse de sair aquele momento mas assim que a forte tempestade cessou um pouco, o garoto pegou o guarda-chuva grande que ocultava seu rosto e saiu para a rua.
Não sabia ao certo o que gostaria de fazer mas qualquer coisa teria que ser feito. Correu em direção do outro que se levantava do banco e o encarava com curiosidade. Ao sentir o corpo aquecido e cheiroso pronto para se lavar, jogou o guarda-chuva no chão e o prazer de se divertir apoderou-se do jovem. Eles agora encaravam-se silenciosamente dizendo milhões de coisas um para o outro. Aquela chuva era gostosa de mais para ser desperdiçada.

Fanuel Ferreira

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

O QUANTO LIGO ENQUANTO DEVO ME DESLIGAR.

Como enxergamos pouco. Eu só observo quando sou obrigado a observar, ainda assim vejo.

A manhã era muito quente e todos a minha volta reclamavam. Sentei no último banco e fiz, o que à pouco, a mulher me pedira para fazer, aguardar.
Nunca gostei de esperar, desde muito novo eu me desesperava só de saber que teria que sentar e ficar ali, sem saber em que momento seria chamado. Isso chama-se ansiedade e pertence ao meu corpo, não é fácil deixar de ser um ansioso e o máximo que consigo é controlar as vezes... hoje eu estava controlando. Tentei me distrair com o bebedouro ao meu lado que deixava pingos de água cair lentamente e produzir um som suave. Fiquei preso naquilo pouco mais de um minuto e logo comecei a sentir o desespero começando a invadir minha perna esquerda que pisava, pisava e pisava, movimentos demasiado rápidos no chão.
Respirei fundo e a atenção sobre o bebedouro seria pequena de mais para eu me distrair novamente. Ouvi então, no fim do corredor, um chorinho de uma criança com menos de um ano de vida e era um choro muito parecido com o uivo de um lobo. Inclinei no banco para ver a criança. Era tão linda que me surpreendi com tamanha beleza. Estava aprendendo a andar e segurava na blusa da mãe quando desequilibrava-se e quase caia, quando isso acontecia ela logo começava a chorar e olhava a todos a sua volta com o rosto contraído pelas expressões do choro. Eu deveria ficar com pena mas isso a tornava uma criança muito sensível e bonita.
A voz feminina e forte chamou o nome que deveria ser da criança pois juntamente com a mãe as duas foram em direção da dona da voz. Eu fiquei olhando e sorrindo até ela entrar numa sala. Antes que a perna esquerda novamente começasse a socar o chão eu reparei como a pele de um humano muda. Algo que eu já deveria ter notado muito antes em minha vida mas fui saber só ali, notando uma senhora de mais de setenta anos. Ela aguardava silenciosamente na cadeira a sua vez. Olhava serena o vazio da sala cheia. Parecia muito cansada e com uma vontade enorme de não estar ali. Senti pena e acompanhei com os olhos todo seu corpo enrugado e flácido. Seus pés estava inchados e seu tornozelo coberto de varizes. Ao seu lado eu olhei a garota punk de uns treze anos e a diferença foi grande de mais. Os detalhes eram tantos que aquilo não ia me distrair e sim me deixar doido.
Ouvi um barulho ao meu lado e rapidamente me virei para ver o que era. Um garotinho lindo me olhava com curiosidade e quando encontrou meus olhos sorriu para mim. Então continuou tentando fazer sair água do bebedouro apertando com força o local por onde deveria sair o líquido. Eu não segurei um sorriso forte e mostrei para ele onde deveria apertar. Ele sorriu também e após tomar a água saiu correndo.
A voz feminina tornou a chamar outro nome e desta vez era o meu. Pronto, acabara a sessão de observar as coisas a minha volta. Ter que esperar os dias que pego uma senha e aguardar um atendimento para aprender tantas coisas maravilhosas chega a ser ridículo, eu deveria ser mais atento. Foi muito importante eu entender o quanto um corpo se modifica ao passar dos anos, como uma criança demonstra suas emoções quando se está aprendendo a andar, como o som da água caindo de um bebedouro é calmo e tranquilizante e como um contato visual as vezes pede ajuda e você nem percebe. Tudo isso aprendi apenas observando a minha volta em menos de cinco minutos. Imagina o quanto mais eu aprenderia se ficasse ali esperando mais de meia hora?
Para aprender tanto é mesmo necessário eu ficar esperando chamarem meu nome?...

Fanuel Ferreira